Tem que ter coragem para viver
- revistanovaversao
- há 18 horas
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E, como bem nos lembra Rollo May, coragem não é ausência de medo, mas a capacidade e a disposição de seguirmos mesmo com ele. Coragem exige, antes de tudo, um compromisso honesto conosco, porque, em muitos momentos, precisamos romper com padrões estabelecidos, ensaiar novas formas de estar no mundo, renunciar a comportamentos que nem sempre sabemos de onde vieram — apenas sabemos que estão ali, profundamente enraizados, presentes em nossa história. Às vezes, isso significa recomeçar tudo; em outras, apenas ajustar rotas.
É curioso perceber como muitas das nossas escolhas têm mais a ver com as nossas projeções do que com o objeto em si. Na paixão, por exemplo, escolhemos parceiros e parceiras e projetamos neles os nossos sonhos, expectativas e ideais. É um movimento inevitavelmente natural, mas também egoísta: queremos que o outro corresponda a algo que, na verdade, é profundamente nosso.
Isso não é possível — pelo menos não em sua totalidade. Então, começa o diálogo, a negociação, a vontade de permanecer: o que é possível ceder, onde podemos ajustar e quais são os limites do inegociável. Essa é a dança entre desejo e realidade, entre fantasia e concretude — um movimento saudável e justo.
Mas, muitas vezes, mesmo quando o outro não pode ou não quer se comprometer com esse acordo, insistimos. Abrimos pequenas concessões, frequentemente em aspectos que ferem justamente aquilo que mais prezamos: o limite do nosso inegociável. E, nesse ponto, já não é mais sobre o outro, mas sobre aquilo que buscamos manter vivo em nós mesmos por meio daquela relação, daquela escolha, daquele projeto.
Qual é, então, a nossa busca?
Por que nos mantemos em relações ou situações que não nos fazem bem?
O que inibe o nosso movimento de liberdade?
São muitos os elementos que compõem essa compreensão. Mas é impossível ignorar o fato de que vivemos em uma época marcada pela necessidade constante de validação. A contemporaneidade — ou a “sociedade do espetáculo”, como nomeia Guy Debord — nos convida o tempo todo a expor, mostrar, colecionar curtidas, elogios e confirmações. É quase inevitável: cada “like” dispara dopamina, reforça comportamentos e vai criando padrões que passam a nos guiar, muitas vezes sem que percebamos.
Nesse contexto, acabamos insistindo em relações, ideias ou caminhos que já não fazem sentido, apenas porque ainda nos oferecem alguma possibilidade de reconhecimento ou pertencimento — mesmo que parcial ou doloroso. E aí mora o risco: permanecermos presos ao que é conhecido, mesmo quando esse conhecido nos fere. Talvez isso diga mais sobre a nossa organização interna do que sobre o outro. É preciso reconstruir padrões para que a gente não continue se machucando da mesma forma.
No campo mais profundo, isso pode ser a repetição automática de algo que não é saudável, mas é familiar. É como se, de algum modo, aquilo confirmasse quem acreditamos ser — mesmo que esse lugar seja de sofrimento. Insistimos não porque faz sentido, mas porque romper exigiria, não apenas abrir mão do outro, mas encarar, em nós mesmos, o conteúdo que ficaria.
E é aqui que a coragem retorna: não como bravura ou ato heroico, mas como uma experiência profundamente humana de sustentar um compromisso honesto com aquilo que realmente buscamos. Ter coragem, às vezes, não é insistir; é saber parar. Porque, no fim, essa escolha não é um ato de exclusão do outro, mas um gesto radical de inclusão de si mesmo.
Camila Paredes – Instituto Estar
Psicóloga Clinica
Contato: (11) 98301-1264
Instagram: @ca_paredes
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