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A colina sussurrante de flores pérolas

De vestido ramado e com a longa cabeleira presa na altura da cintura, por uma fita, ela chegou e se sentou ao redor da fogueira, silenciosamente. E a menina moça do vilarejo, sensitiva e que há tempos tentava se comunicar com os ventos, pediu-lhe que lhes contasse uma história de amor, que foi assim iniciada: “Era uma vez, numa terra distante...”. E a sua voz era cálida como o cantar dum pássaro, anunciando a primavera. Na medida em que falava os olhos da jovem ofuscavam a fogueira, feito pérolas sob o sol. Quando a narradora de vestido ramado chegou na parte em que o jovem da história salvava a donzela do monstro do lago, para que fossem felizes para sempre, ela finalizou a narrativa, levantou-se sorrindo e, cravando um último olhar sobre as chamas ardentes da fogueira, desapareceu pela noite afora. Seu nome nunca foi dito e ninguém nunca mais a viu. Mas as passadas misteriosas que os pés da jovem deixaram pelos caminhos por onde andou fizeram nascer, neles, belas flores silvestres na cor pérola. E a menina moça do vilarejo, que tentava sempre conversar com os ventos, pediu fervorosamente aos filhos de Éolo que as polinizassem por toda a colina. Assim, aos poucos, um belo jardim foi edificado através das lufadas dos ventos sobre todo o outeiro. Então vieram os colibris, as borboletas e as abelhas e, a seguir, os pássaros divagantes. Tempos depois chegaram também os homens, apreciadores do belo, curiosos e tentando explicar o inexplicável com teorias frágeis e dissonantes. O lugar, a cada dia mais exuberante, acompanhado sempre por um vento sussurrante, passou a ser chamado de “A colina sussurrante de flores pérolas”. O dono das cercanias, um eremita religioso e singular, acatou a mudança da natureza como um presente dos céus, construindo vias e bancos para que as pessoas apreciassem o espetáculo. Criaram-se também as regras, necessárias - mas nem sempre apreciadas pelos homens. Mas o balanço das flores e o compasso dos ventos, envoltos numa aura de mistério, incitavam respeito ao lugar. E a menina moça, do vilarejo, se apaixonou depois por um poeta que, tendo as flores e o rumorar dos ventos como inspiração, passou a frequentar a colina acompanhado, sempre, de belos versos nas folhas duma prancheta. Casaram-se, logo depois. Contam que a partir de então os que por ali passavam se apaixonavam, pois a beleza das flores pérolas, entremeadas pelo verde das folhas e o sussurrar dos ventos, eram um convite ao amor. E o Universo, com sua sabedoria, certamente conspiraria a favor. 

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